top of page

CLANDESTINO: QUANDO A VIDA É TEU DESTINO

Ele e a mãe enfim conversaram sobre a história da sua gestação, quase quarenta anos depois. Inúmeras estratégias de aborto. Se estivesse no corpo do pai não tinha nascido, quis arrancar. Mas o que saiu mesmo, quatro meses depois, foi uma nova coragem: ainda sob ameaça, ela deu a verdade e o enfrentou: essa criança nascerá! Nasceu e viu que era bom, viu que era belo, viu que era vivo e mais forte. Mas aquele corpinho em desenvolvimento fora ameaçado e esse registro o congelava na presença do pai. Era tomado de terror e tremor. Não sabia que tinha motivo. A vida lhe fora oferecida, arrependida e reconquistada, a verdade nunca.


Ele se sentira, por toda aquela peregrinação do deserto, desajustado e equivocado por suas reações. Mas quando ele disse que se sentia ilegal na vida, não resisti às lágrimas. Essa não é uma frase para ser falada e depois encadeada em outras. Depois dela não há mais nada a ser dito. Ela é ponto final. Depois dela, faz a curva, retorna e reivindica o teu trono. Fecho os olhos, respiro fundo para sentir o que ele ainda não sentiu. Dou tempo a ele para a manobra. E a mim, porque a compaixão me fere.


(A compaixão é um sentir que não resolve nada. É impotente. Ela sabe que naquele ponto nada pode. Mas mesmo assim ela vem e deixa o tempo do silêncio dormente. Quantas vezes quis arrancar a dor deles com a compaixão que me alaga por dentro e não pude, não posso, não consigo. Para que serve a compaixão? Pergunto! Me sopra o anjo bom: a compaixão é como o carteiro, aquele que vai até o coração do outro, o ocupa por um momento e deixa ali o registro do amor. Me sopra o anjo esperto: a compaixão é uma espécie de arrependimento de Deus, que Ele não confessa. "Está se arrependendo, Deus?" Pergunto a Ele e antes que Ele responda, grito: "pois deveria!!! E bato a porta).


Tentei ajudá-lo na manobra com algumas falas precisas: olha por esse ângulo, agora por aquele retrovisor, desvira tudo e agora segue reto! Mas o que de melhor fui capaz foi aquele sentimento naquele instante que fechei os olhos e fui elevada aos aposentos divinos. Brandi a espada para que ele jamais ousasse se sentir ilegal na vida novamente e fui bater à porta do Arrependido. Com seu tabuleiro aberto, Ele me confidenciou que toda vez que uma pessoa sente compaixão por outra, imediatamente Ele sente a dor também e depois que essa Consciência é entregue à fonte criadora, a dor de quem a carregou é eliminada para sempre...


Com amor e gratidão à Daya, a espada que me feriu de compaixão.

Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page